Estudo de Caso do Concurso TJCE/2022 - Matheus Vianna de Carvalho Gabriel Laborda Bleicker Sarte
- INTRODUÇÃO
O concurso público, como regra constitucional para o ingresso no serviço público, deve pautar-se pela observância estrita aos princípios da legalidade, da isonomia e da vinculação ao edital. Nesse contexto, o certame do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), regido pelo Edital nº 01/2022, para provimento do cargo de Analista Judiciário na Área Judiciária, trouxe consigo relevante controvérsia jurídica quanto à relação entre institutos como a cláusulas de barreira, a nota mínima exigida em edital e a composição do cadastro de reserva.
O problema central reside no fato de que candidatos que atingiram a nota mínima exigida e superaram a cláusula de barreira, portanto formalmente habilitados, não foram considerados aprovados e aptos a serem nomeados, bem como da negativa de concessão de posição dentro do cadastro de reserva aqueles melhor posicionados em face de desistências, pedidos de final de fila e não comparecimento à posse. A questão coloca em debate a extensão da expectativa do direito subjetivo à nomeação dos candidatos que constam na lista da habilitados no resultado final do concurso, especialmente diante da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Diante disso, o objetivo deste artigo é analisar o concurso TJCE/2022 sob a ótica da distinção entre candidatos aprovados e cadastro de reserva, examinando os desdobramentos da interpretação administrativa restritiva adotada pelo Tribunal de Justiça do Ceará, à luz da doutrina e da jurisprudência dominante, com vistas a verificar sua compatibilidade com os princípios constitucionais que regem o concurso público.
- CLÁUSULA DE BARREIRA E CADASTRO DE RESERVA: DISTINÇÕES FUNDAMENTAIS
a) Definição e função da cláusula de barreira
Pode-se conceituar a cláusula de barreira como o mecanismo disposto em edital cuja função é restringir o número de candidatos que avançam para as demais etapas do concurso. Portanto, as cláusulas de barreira tratam-se de regras editalícias que criam obstáculos para que candidatos que não figuram no rol dos melhores colocados, ainda que tenham alcançado a nota mínima exigida, se classifiquem para as próximas fases.
Para cumprir essa função, as cláusulas de barreira fixam critérios objetivos de corte, estabelecendo que apenas um determinado número de melhores colocados poderá avançar para as demais etapas, restando os demais eliminados.
Desse modo, ao limitar o número de candidatos que prosseguem, a adoção de cláusulas de barreira em editais busca reduzir os custos e dar maior agilidade à condução do concurso, se tratando de instrumento de racionalização do certame, garantindo maior eficiência à administração. Todavia, sua aplicação suscitou controvérsias quanto à compatibilidade com os princípios da isonomia, da razoabilidade e da ampla acessibilidade aos cargos públicos, uma vez que candidatos aprovados com a nota mínima prevista em edital, mas fora da barreira, são impedidos de prosseguir no certame.
Tais controvérsias culminaram na provocação do Supremo Tribunal Federal para se manifestar, em sede de Recurso Extraordinário com repercussão geral, acerca da constitucionalidade de cláusula de barreira prevista em concurso para Agente da Polícia Civil do Estado de Alagoas. No processo em questão, a Suprema Corte se manifestou no sentido de que a adoção de cláusulas de barreira em editais não representa afronta ao texto constitucional, mas em verdade, quando fundadas em critérios objetivos relacionados ao desempenho dos candidatos, está alicerçada nos princípios da igualdade, impessoalidade e eficiência[1]. Assim, no entendimento do STF, a adoção de cláusula de barreira em concurso público, que possibilita a realização das próximas etapas apenas aos melhores colocados, concretiza os interesses protegidos pela Constituição Federal, obedecendo aos princípios que regem a administração pública dispostos no inciso II e caput do artigo 37 da Constituição Federal.
b) Diferença em relação ao cadastro de reserva
Como observaremos no caso concreto a ser objeto de escrutínio nos demais tópicos deste trabalho, é de extrema relevância marcar as fronteiras conceituais que delimitam as diferenças entre cláusula de barreira e cadastro de reserva.
Compreende-se o cadastro de reserva como uma espécie de lista de espera, em que se pré-determina no instrumento editalício o provimento de vagas futuras, consoante a necessidade do ente público que promove o certame[2]. Desse modo, a Administração Pública pode convocar esses candidatos para preencher futuras vagas que surgirem ao longo do prazo de validade do concurso.
Assim, ao contrário do cadastro de reserva, que amplia a expectativa de nomeação ao projetar o preenchimento de eventuais vagas no futuro, a cláusula de barreira atua como um filtro imediato, restringindo o universo de candidatos que poderão seguir no certame, mesmo que tenham atingido a nota mínima.
Enquanto o cadastro de reserva se relaciona à gestão de provimento de cargos ao longo do tempo, a cláusula de barreira está ligada à racionalização do concurso em seu curso regular, funcionando como um mecanismo de exclusão antecipada. Portanto, apenas estariam aptos a adentrar no cadastro reserva os candidatos aprovados no certame e dentro dos parâmetros estabelecidos na cláusula de barreira.
c) Edital do concurso TJCE/2022: até onde vai a cláusula de barreira e quem permanece habilitado.
Sedimentado os contornos de tais conceitos, é possível extrair do edital do concurso do TJCE/2022 as previsões referentes à nota mínima, ao cadastro reserva e à cláusula de barreira.
De início, frisa-se que o edital traz em seu item 2 o quantitativo de vagas disponível no concurso, bem como do cadastro reserva:
No que concerne a nota mínima necessária para aprovação no concurso, verifica-se que a nota a ser alcançada no certame na fase objetiva está disposta nos itens 9.3 a 9.5 do edital:
“9.3 Considerar-se-á habilitado o candidato que obtiver, simultaneamente, no mínimo, 50% de acerto na prova de Conhecimentos Básicos e, no mínimo, 50% de acerto na prova de Conhecimentos Específicos.
9.4 Os candidatos que obtiverem média aritmética ponderada igual ou superior a 6 (seis) serão habilitados e classificados em ordem decrescente das médias.
9.5 Os candidatos não habilitados nas Provas Objetivas serão excluídos do Concurso.”
A nota mínima a ser obtida na fase subjetiva está fixada, por sua vez, no item 10.5:
10.5 A Prova Discursiva - Estudo de Caso terá caráter eliminatório e classificatório. Cada uma das questões será avaliada na escala de 0 (zero) a 10 (dez) pontos, considerando-se habilitado o candidato que tiver obtido, no conjunto das três questões, média igual ou superior a 5 (cinco).
A cláusula de barreira encontra-se no item 10.2 do edital:
10.2 Serão convocados para a realização das Provas Discursivas – Estudo de Caso os candidatos habilitados e mais bem classificados na Prova Objetiva, na forma do Capítulo 9 deste Edital, até as posições relacionadas na tabela seguir, respeitados os empates na última posição de classificação e todos os candidatos com deficiência habilitados:
(*) Para fins da reserva de vagas para candidatos pretos e pardos, serão convocados os candidatos até as posições indicadas na tabela, desconsiderados os candidatos que obtiverem nota para integrar a listagem geral.
10.2.1 Os demais candidatos serão excluídos do Concurso.
A cláusula de barreira acima, portanto, afunila o quantitativo de candidatos habilitados para a fase subjetiva do certame, uma vez que, ainda que tenham atingido a nota mínima do item 9.3, precisam figurar, nos termos do item 10.2, entre os 400 candidatos mais bem posicionados, no caso de ampla concorrência, e nos 80 mais bem posicionados, em caso de pretos e pardos.
Assim, ao analisar o instrumento que rege o concurso, é possível inferir que todos os candidatos que tenham atingido a pontuação mínima exigida na prova objetiva, tenham tido desempenhado dentro do corte fixado na cláusula de barreira e tenham atingido a nota mínima exigida na prova subjetiva, estão habilitados e aprovados no concurso, disputando as eventuais nomeações que surgirem.
3 O CONCURSO TJCE/2022 E O DIREITO À NOMEAÇÃO X INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA ADMINISTRAÇÃO
a) Estrutura do certame e publicação da lista de habilitados (365 AC, 55 PPP, 48 PCD).
Regido pelo Edital nº 01/2022, o concurso público para o cargo de Analista Judiciário na Área Judiciária (AJAJ), ofertou 25 vagas imediatas e 150 vagas destinadas à formação de cadastro de reserva. Estando apto a constar nesse rol, conforme o item 3.1 do edital, os candidatos classificados, portanto, todos aqueles que atingiram a nota mínima exigida e superaram a cláusula de barreira, conforme identificadas nos tópicos acima.
Em 16 de dezembro de 2022, foi publicada no Diário de Justiça Eletrônica, a lista de candidatos homologados, composta por 468 candidatos habilitados, ou seja, que cumpriram, cumulativamente, com as exigências de nota e com a cláusula de barreira do edital, sendo 365 da ampla concorrêncai, 55 cotistas negros e 48 candidatos portadores de deficiência.
Do rol de candidatos habilitados, foram sendo convocados, sucessivamente, não apenas às vagas efetivas, mas posteriormente também aqueles constantes no cadastro reserva. Até o momento de redação do presente trabalho, segundo levantamento de grupo de candidatos aprovado no concurso, foram realizadas aproximadamente 122 convocações na ampla concorrência, mas cerca de 39 dessas não resultaram em provimento efetivo. As causas variaram entre desistência definitiva, pedido de final de fila e ausência de posse.
Ocorre que o órgão organizador do certame não vem reconhecendo o direito dos candidatos habilitados, mas inicialmente fora do cadastro reserva, a ingressarem em substituição aqueles que não foram providos. Nesse sentido, as problemáticas da questão envolvem, especialmente, se os desistentes, bem como os que pediram final da fila ou se ausentaram na posse permanecem com o direito subjetivo à nomeação, ou se o referido direito foi adquirido pelos próximos habilitados melhor posicionados.
Ocorre que o órgão responsável pela condução do certame tem adotado entendimento restritivo, não reconhecendo o direito dos candidatos habilitados, mas inicialmente fora do cadastro reserva, a ingressarem em substituição aqueles que não foram providos. A controvérsia, portanto, concentra-se em definir se tais candidatos desistentes, bem como os que pediram final de fila ou se ausentaram na posse, conservam a expectativa de direito subjetivo à nomeação, ou se esse direito deve ser transferido, de forma automática, aos próximos habilitados na ordem de classificação, em observância ao princípio da vinculação ao edital e à jurisprudência consolidada dos tribunais superiores.
b) Pedido de final de fila e a interpretação equivocada do TJCE (fila paralela x lista oficial).
A maior sensibilidade da questão reside no pedido de final de fila, uma vez que o TJCE vem entendendo que os solicitantes do final de fila mantêm a expectativa de direito subjetivo à nomeação, indo para o final da lista do cadastro reserva. Ocorre que o concurso possui uma única fila classificatória, a qual funciona como parâmetro objetivo para contratação, nos termos do edital e da legislação pátria.
Assim, ao ser aprovado dentro do quantitativo de vagas ofertadas, adquire-se o direito líquido e certo à nomeação, no entanto, com o pedido de final da fila, ocorre o remanejamento para o último lugar na lista dos candidatos aprovados fora do número de vagas.
Nesse sentido, a criação de uma “fila paralela”afastando candidatos já habilitados representa flagrante violação a princípios constitucionais fundamentais, como o da legalidade e da vinculação ao edital, uma vez que a criação de uma lista suplementar ou paralela não encontra respaldo editalício ou legal. Assim, a prática acaba por violar os ditames da isonomia e da impessoalidade, concedendo prioridades potencialmente indevidas a determinados candidatos.
c) Da proporção de chamada entre ampla concorrência e cotistas
Outro ponto que merece atenção no presente estudo diz respeito à proporcionalidade entre as nomeações realizadas para a ampla concorrência (AC) e aquelas destinadas às vagas reservadas a pessoas com deficiência (PCD). No caso concreto, verificou-se que, embora os atos de convocação tenham, em princípio, observado a proporcionalidade legal entre AC e PCD, a efetiva nomeação acabou se mostrando desproporcional. A desproporção decorre, em especial, das desistências, pedidos de final de fila e não comparecimento à posse, conforme demonstrado nos tópicos acima.
Conforme ítem 5 do edital, em consonância ao disposto no inciso VII, art. 37, da Constituição Federal e a Lei Estadual nº 14.128, de 06 de junho de 2008, foi previsto a reserva de 10% das vagas do certame para pessoas com deficiência.
Nesse sentido, conforme se extrai do Diário Oficial, já foram nomeados 16 candidatos PCD, o que pressupõe, para a devida observância da proporcionalidade, que 144 nomeações deveriam corresponder a candidatos não PCD (abrangendo tanto ampla concorrência quanto PPP). Entretanto, os números verificados demonstram que até o momento foram nomeados apenas 105 candidatos não PCD (80 pela ampla concorrência e 25 pela PPP). Dessa forma, há um déficit de 39 nomeações não PCD manutenção do equilíbrio.
Ocorre que a reserva de vagas não pode ser interpretada de forma isolada, mas sim em articulação com a totalidade das nomeações. Assim, quando a administração deixa de recompor as desistências da ampla concorrência, cria-se desproporção indevida, cuja previsão não se encontra em edital ou na legislação aplicável.
Essa condição reafirma que o entendimento restritivo adotado pelo órgão na condução do concurso encontra irregularidades frente aos dispositivos constitucionais, legais e editalícios. Ademais, pode indicar possível hipótese de preterição, que se materializa, nos termos da Súmula nº 15 do STF, pela inobservância indevida da ordem da lista de aprovados, como abordaremos nos tópicos abaixo.
- O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ
a) O direito subjetivo à nomeação de candidatos fora das vagas do edital
Já é consolidado na doutrina e na jurisprudência a aquisição de direito subjetivo à nomeação de candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas do edital. Todavia, no que concerne a aquisição de direito subjetivo à nomeação para os candidatos fora do número de vagas de provimento imediato do edital, ainda que a doutrina não seja uníssona, a jurisprudência vem evoluindo e dando novos contornos à temática.
Acerca da questão, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese no Recurso Extraordinário nº. 837.311, Relator Ministro Luiz Fux, P, j. 9-12-2015, DJE 72 de 18-4-2016, Tema 784:
Tese: O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses:
I – Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital;
II – Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação;
III – Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.
Desse modo, o entendimento fixado pela Suprema Corte brasileira cristaliza o direito subjetivo à nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas do edital, assim como reconhece, excepcionalmente, tal direito aos candidatos aprovados fora das vagas do edital quando não observada a ordem de classificação, em convergência ao disposto na Súmula nº 15. Nota-se que a ordem de classificação referida na jurisprudência do STF, refere-se a todos os candidatos aprovados no certame, ou seja, que atingiram a pontuação mínima prevista em edital.
Mais especificamente, no que concerne aos candidatos aprovados fora do número de vagas de provimento imediato, por mais que sejam detentores de uma mera expectativa de direito à nomeação, já que a nomeação não decorre automaticamente da condição de aprovado, a mesma pode ser exigida se comprovada preterição indevida, revelada pela abertura de novo concurso ou pelo surgimento de vagas durante a validade do certame, sem que haja justificativa legítima para a não convocação dos candidatos já aprovados.
Ressalta-se, todavia, que para comprovação da preterição, conforme lecionado pelo ministro relator Luiz Fux, é necessário que a abertura de novo certame seja corroborando com a revelação de necessidade de provimento dos cargos durante a validade do primeiro concurso.
Observa-se, portanto, que o STF, ao vincular a Administração à contratação de candidatos já aprovados em detrimento da realização de novos certames, prestigia os princípios da eficiência e da economicidade, evitando gastos desnecessários ao erário, reconhecendo não apenas a expectativa de direito aos candidatos aprovados em cadastro reserva, como conferindo verdadeiro direito subjetivo à nomeação nos casos de inobservância à ordem de classificação ou preterição indevida.
b) O direito subjetivo à nomeação diante das vagas surgidas (Jurisprudência do STF e STJ).
Da análise dos atos perpetrados pelo TJCE no bojo do concurso de Analista Judiciário na Área Judiciária (AJAJ), nota-se que a condução do certame apresentou inconsistências frente aos conceitos supracitados. Em especial, observa-se uma fragilidade na forma como se estruturou o cadastro de reserva e a próprio processo de nomeação, já que os candidatos aprovados, ou seja, aqueles que alcançaram a nota mínima exigida no edital e se classificaram frente aos limites estabelecidos pela cláusula de barreira, devem ser considerados aptos a convocação, em substituição aos casos de desistência, pedido de final de fila e não comparecimento à posse.
Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Foi determinado pela suprema corte, em sede de RE 598099, que “"a desistência dos candidatos convocados, ou mesmo a sua desclassificação em razão do não preenchimento de determinados requisitos, gera para os seguintes na ordem de classificação direito subjetivo à nomeação, observada a quantidade das novas vagas disponibilizadas.”
Ainda, em sede de ARE 866.016, o STF dispos que “o candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital de concurso público tem direito subjetivo à nomeação quando o candidato imediatamente anterior na ordem de classificação, aprovado dentro do número de vagas, for convocado e manifestar desistência”. Frisa-se também o RE 946425, em que o Supremo reconhece que “o direito a nomeação se estende ao candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital, mas que passe a figurar entre as vagas em decorrência da desistência de candidatos classificados em colocação superior.”[3]
É possível observar, ainda, que a aquisição de tal direito não está vinculada à existência ou não de um cadastro reserva, sendo automaticamente adquirido pelo candidato aprovado melhor posicionado.
O Superior Tribunal de Justiça reafirma os entendimentos já consolidados na Suprema Corte:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DAS VAGAS PREVISTAS NO EDITAL, CONSIDERADA A DESISTÊNCIA DE CANDIDATOS MELHOR CLASSIFICADOS NO CERTAME. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Em consonância com o entendimento emanado do Supremo Tribunal Federal (STF, RE 598099/MS, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe de 30/09/2011), a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que o candidato aprovado em concurso público, dentro das vagas previstas no edital, tem direito subjetivo à nomeação.
II. Na forma da jurisprudência do STJ, "a desistência dos candidatos convocados, ou mesmo a sua desclassificação em razão do não preenchimento de determinados requisitos, gera para os seguintes na ordem de classificação direito subjetivo à nomeação, observada a quantidade das novas vagas disponibilizadas. Precedentes: RMS 34.990/BA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 14/02/2012; AgRg no REsp 1.239.016/PB, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 20/05/2011; RMS 32.105/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 30/08/2010" (STJ, AgRg no REsp 1347487/ BA, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/03/2013).
III. Agravo Regimental improvido.
(STJ. 6ª Turma. AgRg no RMS 30776 RO 2009/0209170-6. Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 17.09.2013, DJe 11.10.2013). (grifos acrescidos).
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ATO DO MINISTRO DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. ÚNICA VAGA. DESISTÊNCIA DOS CANDIDATOS MAIS BEM POSICIONADOS. DIREITO À NOMEAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA NECESSIDADE DO PREENCHIMENTO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO.
1. Caso concreto em que candidata aprovada em concurso público na 3ª colocação não foi nomeada para a única vaga disponível, mesmo após formalizadas as desistências do primeiro e do segundo mais bem classificados, pois a autoridade coatora entendeu que, havendo apenas uma vaga, somente devem ser convocados dois candidatos no máximo.
2. O limite estatuído pela regulamentação aplicável diz respeito à convocação de candidatos aprovados e classificados até o limite de 50% acima do quantitativo original de vagas, partindo-se do pressuposto de que todos os candidatos convocados assumam os cargos, ou seja, não desistam da nomeação - o que não é o caso dos autos. Inteligência do art. 1º, § 3º, da Portaria 450/2002, do Ministério do Planejamento.
3. Não faria sentido lógico negar o ingresso de candidato aprovado e classificado como "próximo da fila" após longo procedimento seletivo, com dotação orçamentária e claros indícios de necessidade de prover deficiência em recursos humanos. Pensar o oposto é estimular o desperdício de verba pública com processos seletivos que destoam de sua finalidade principal: suprir a carência objetivamente demonstrada de pessoal.
4. Mandado de Segurança concedido. Liminar confirmada. (STJ, MS 15320 / DF, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 01/02/2011).
Diante desse panorama, percebe-se que tanto o STF quanto o STJ vêm consolidando uma linha interpretativa de que a lista de nomeados deve ser composta tanto pelos candidatos posicionados na lista de provimento imediato, do possível cadastro reserva previsto em edital, como dos demais aprovados que permanecem à disposição da Administração para eventual convocação em caso de novas vagas. Tal mecanismo assegura que a convocação e nomeação se mantenha dinâmica, de modo a contemplar a substituição daqueles que, por razões diversas, não assumem o cargo, seja por desistência, pedido de reposicionamento ao final da fila ou não comparecimento à posse, bem como em caso de surgimento de novas vagas.
Nesse contexto, a resistência apresentada no certame objeto de análise deste artigo em incluir no cadastro de reserva os candidatos que alcançaram os requisitos editalícios e, portanto, se encontram na condição de aprovados, representa potencial violação aos princípios da legalidade e da vinculação ao edital, divergindo do entendimento amplamente consolidado nos tribunais pátrios.
- CONCLUSÃO
A análise do concurso TJCE/2022 evidencia que a Administração, ao restringir a composição do cadastro de reserva apenas aos candidatos inicialmente contemplados, adotou interpretação restritiva que destoa tanto do texto editalício quanto da orientação consolidada pelos tribunais superiores.
Tal restrição é indevida, na medida que os candidatos que atingiram as notas de corte, bem como superaram as cláusulas de barreira, estão devidamente habilitados e aprovados no certame, haja vista a própria natureza de tais institutos.
Ressalta-se que a referida restrição pode configurar hipótese de preterição, por violar não apenas a ordem de classificação do concurso, mas também a legítima expectativa de direito subjetivo à nomeação dos candidatos melhor posicionados, ainda que inicialmente fora do quantitativo previsto no cadastro de reserva.
É imperativo reconhecer que todos os candidatos que constam na lista oficial de habilitados, publicada em 16/12/2022, compõem o cadastro de reserva, possuindo aptidão para serem nomeados. Assim, considerando que a vigência do certame, conforme estabelecido no edital, se estende até 26/01/2027, a realização de novo concurso, em detrimento da convocação dos demais candidatos aprovados no TJCE/2022, pode caracterizar preterição e clara afronta à jurisprudência consolidada das cortes superiores, devendo as nomeações para o cargo de analista judiciário no TJCE, até o fim da vigência do concurso, contemplar exclusivamente os candidatos da atual lista de aprovados, sob pena de violação de seus direitos.
Ademais, a jurisprudência do STF e do STJ é clara ao reconhecer que a desistência, bem como o pedido de final de fila, afasta a expectativa de direito subjetivo à nomeação, sendo tal expectativa adquirida pelos próximos melhores posicionados na fila de aprovados.
Assim, em tais hipóteses, caso confirmada a preterição ou com a abertura de novo certame, a expectativa de direito desses candidatos aprovados, mas que não constavam inicialmente na lista de vagas de provimento imediato e no cadastro reserva, transmuda-se em verdadeiro direito subjetivo à nomeação. Ao ignorar esse entendimento, viola-se a segurança jurídica e a isonomia entre os candidatos, como também compromete os princípios da eficiência e da economicidade, ao dificultar o possível aproveitamento de aprovados já habilitados em favor de novos certames desnecessários.
Portanto, o estudo do caso TJCE/2022 revela como a interpretação restritiva de institutos dos certames públicos, como o cadastro reserva e a lista de aprovados, pode levar ao cerceamento de direitos de candidatos devidamente aprovados, servindo como parâmetro para reforçar a importância da vinculação da Administração Pública não apenas às regras editalícias, mas também ao entendimento consolidado da jurisprudência pátria quanto ao direito subjetivo à nomeação.
- REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Recurso Extraordinário nº 635739. Relator: Min. Gilmar Mendes. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4035287
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (1ª Seção). Mandado de Segurança nº 15320/DF. Relator: Min. Herman Benjamin. Disponível em: https://jurisprudencia.stj.jus.br/pages/search/sjur426030/false. Acesso em: 29 set. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6ª Turma). Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança nº 30776/RO. Relatora: Min. Assusete Magalhães. Disponível em: https://jurisprudencia.stj.jus.br/pages/search/sjur298432/false. Acesso em: 29 set. 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Recurso Extraordinário nº 837311. Relator: Min. Luiz Fux. Tema 784. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4724456. Acesso em: 29 set. 2025.
Santos, Mauro Sérgio do; Padilha, Lucas Miguel Ribeiro. O cadastro de reserva em concursos públicos: hipóteses e limites. Revista Processus de Políticas Públicas e Desenvolvimento Social, v. 5, n. 10, p. 13-31, 2023. Disponível em: https://periodicos.processus.com.br/index.php/ppds/article/view/934/949 . Acesso em: 26 set. 2025.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. AJAJ – Desistências e Final de Lista. Fortaleza, 2024. Disponível em: https://www.tjce.jus.br/concurso-servidores-2022/.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Edital n. 01/2022 – Concurso Público para provimento de cargos vagos e formação de cadastro de reserva para Analista Judiciário – Área Judiciária. Fortaleza: TJCE, 21 mar. 2022. Disponível em:https://www.tjce.jus.br/concurso-servidores-2022/.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Aprovados AJAJ 2022. Fortaleza, 2022. Disponível em: https://www.tjce.jus.br/concurso-servidores-2022/.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Comissão de Aprovados. Memorando – Convocação TJCE – AJAJ – CPA. Fortaleza, 11 ago. 2025. Disponível em: https://www.tjce.jus.br/concurso-servidores-2022/. .
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Recurso Extraordinário nº 635739. Relator: Min. Gilmar Mendes. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4035287
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[2] Santos, Mauro Sérgio do; Padilha, Lucas Miguel Ribeiro. O cadastro de reserva em concursos públicos: hipóteses e limites. Revista Processus de Políticas Públicas e Desenvolvimento Social, v. 5, n. 10, p. 13-31, 2023. Disponível em: https://periodicos.processus.com.br/index.php/ppds/article/view/934/949 . Acesso em: 26 set. 2025.
[3] RE 946425 AgR, Relator Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, julgamento em 28.6.2016, DJe de 9.8.2016